Resenha – Ensaio sobre a lucidez

sábado, 3 de janeiro de 2015
Por: Brenda Sousa.
“… em toda verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trêmula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo […].”
Ensaio sobre a lucidez – José Saramago
Período de eleições numa cidade imaginária. As primeiras horas do dia são marcadas por muita chuva, e o dia só aparece limpo a partir das 4 horas da tarde. Até então, não há sequer um voto depositado na urna, o que significa que nenhum eleitor deixou suas casas para votar. Tal fato preocupa intensamente tanto aqueles responsáveis pela realização da eleição quanto aos partidos e candidatos a serem votados. Mas não, as eleições não ficariam sem eleitores, e então, exatamente às 4 horas, todos os votantes saem de casa ao mesmo tempo para votar, fervendo o ânimo dos políticos da cidade. As eleições terminam e é feita a contagem de votos: maioria esmagadora de votos brancos, mais algumas migalhas distribuidas aos três partidos competindo. Diante do fato inédito na história, a comissão eleitoral decide que serão feitas novas eleições e afirmam que o clima pode ter influenciado no processo eleitoral. Assim, é realizada uma nova eleição. Desta vez os eleitores saem cedo de casa, maior quantidade de pessoas se dispõe a votar e tudo indica que em breve um resultado satisfatório estará disponível. Mais uma surpresa: 80% de votos brancos. E agora?
Depois do resultado repetido mais drasticamente ainda, reuniões são realizadas entre os políticos locais e fica decidido que a cidade ficará submetida ao estado de sítio, com a retirada dos governantes, dos serviços básicos como coleta de lixo, polícia e exército, limpeza da cidade e etc. Inicia-se aí uma luta “disfarçada” entre população e governantes, na tentativa de provar, talvez, quem tem mais poder e quem realmente controla o que se passa na vida da população de uma cidade. A partir de então, se desenrola uma história cheia de conflitos, cheia de surpresas e repleta de reflexões de todos os lados. Nesse caminho, são retomados os personagens de “Ensaio sobre a cegueira”, os quais parecem ter grande importância para o “desfecho” (sim, entre aspas. Quem ler, entenderá.) de “Ensaio sobre a lucidez”.
Se tratando de um livro de Saramago, tudo é possível. “Ensaio sobre a lucidez” veio como uma espécie de “sequência” para “Ensaio sobre a cegueira” (aos que não leram, fica a indicação). Assim como o primeiro, este livro traz um pouco de ironia, crítica política e social e humor. De fato, é preciso se acostumar com a escrita do autor e com sua forma de guiar a história, para então mergulhar de cabeça no enredo. Uma vez que você se acostuma com a pontuação diferenciada, o linguajar do português de Portugal (Jose Saramago é um autor português) e a pouca diferenciação em parágrafos, você começa a compreender as ironias e o humor espalhados sutilmente pelo livro.
As críticas presentes no livro são bastante sutis, disfarçadas entre palavras e discursos muitas vezes complicados, porém muito ricos. A intenção de Saramago, acredito, é abrir os olhos dos leitores (nos dois livros) para a realidade ao seu redor, ajudá-los a perceber o que realmente se passa por trás das convenções sociais, por trás de um processo eleitoral, aonde realmente está o poder que guia o futuro de uma nação e o que pode estar envolvido em tudo isso. Para quem não leu nenhum livro de Saramago, comecem com “Ensaio sobre a cegueira”, busquem entender além do que está escrito e se acostumar com o autor, porque são histórias que valem muito a penas o esforço.
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